terça-feira, 26 de junho de 2012

Infância que os tempos não trazem mais - sonia kahawach

sonia kahawach (soninha.k@hotmail.com)

cidade: Piracicaba
estado: SP
idade: De 61 a 70 anos
sexo: feminino

 Infância que os tempos não trazem mais

Hoje recebi uma mensagem que falava de um passado feito de visitas, passeios a pé e coisas do gênero que, infelizmente, hoje já não se usa mais.

E senti uma emoção muito forte relembrando meus tempos de menina criada em Poços de Caldas, interior de Minas Gerais.

Por muitas vezes a gente passa grande tempo sem nem pensar ou lembrar fatos corriqueiros de nossa vida anterior e, de repente, algo chega e bate forte. E revivi cenas que me deixaram profundamente tocada. Meu velho pai debruçado sobre o móvel da sala - que era chamado tager e hoje chamam Buffet - ouvindo o rádio de madeira, grandão, movimentado a válvulas, que pegava até o Egito e ele ouvia programas em árabe. Após o jantar que era servido no mais tardar às 19h, quando ele já havia fechado sua loja, tomado banho, colocado o roupão e tomado seu aperitivo sentado no terraço olhando as montanhas, todos se vestiam caprichados e saíamos, a família completa, para uma visita a amigos. Passeio a pé, atravessando os jardins lindos daquela cidade, chegando e sendo muito bem recebidos com muito carinho e atenção.

Papai, geralmente sentava-se com o amigo para um jogo de Buraco e mamãe conversava com a amiga que servia docinhos, bolos, café ou chá. As crianças logo se entrosavam e saiam pra brincar no quintal ou mesmo na calçada em frente à casa. Se chovia, sentavam-se por ali e jogavam jogos de tabuleiro. Essas visitas nunca eram marcadas com antecedência, mas a recepção era sempre calorosa, com demonstrativos de prazer por serem prestigiados com a inesperada chegada. Da mesma forma, quando era o contrário e visitas chegavam em casa inesperadamente, eram retribuídos com o mesmo carinho e alegria.

E lembrando dessas passagens também me vem à mente como eram chamadas algumas peças do mobiliário das casas. O Buffet de hoje que era tager, lembra a penteadeira que então recebia o nome de pichichê. Uma peça que era obrigatória nos banheiros de então era o bidê que com o advindo do chuveirinho perdeu muito de seu uso para a higiene íntima. Na sala era de costume se ter um relógio com carrilhão que tocava a cada 30 minutos toques mais curtos e na hora inteira todos seus acordes. Os homens elegantes usavam relógios de bolso com lindas correntes aparentes e as mulheres exibiam relógios de pulso com pulseiras trabalhadas geralmente em ouro.

Com tudo isto que me veio à mente, lembrei-me também das noites de verão quando a maioria das famílias saia pra sentarem-se nos bancos de jardim e lá ficavam por horas conversando com amigos, ouvindo músicas tocadas no coreto da praça principal. A criançada corria solta e tranqüila por todos os cantos, brincando de roda, lenço atrás, passa-anel, pique, telefone sem fio, estátua, barra manteiga, amarelinha e outras brincadeiras da época.


Não se ouvia falar em assaltos, roubos, sequestros relâmpagos ou violências tão usuais nos dias de agora. Vivia-se com paz, tranqüilidade, sorriso nos lábios, calma na alma e no convívio. O tempo não corria tão célere e a chegada de cada Natal era esperada por todos e parecia demorar um tempo sem fim.

Não é nostalgia derramada, mas um lamento de que os tempos mudaram e tudo se tornou tão áspero na vivência. Lamento que os filhos e netos dessa geração que curtiu tanta coisa boa, não tenham tido esta oportunidade de vivenciarem coisas que apesar de tão simples ficam indeléveis na lembrança. E ao mesmo tempo causa espanto que tão de repente tudo tenha se modificado tanto. Aquelas pequenas coisas que davam tanto prazer se diluíram no tempo e no espaço e deram lugar a tantas outras que não conseguem ter a beleza e pureza que encantam uma vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário