quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

ENVELHECIMENTO SEM RETOQUES - IRACEMA BEATRIZ DE ALENCAR

IRACEMA BEATRIZ DE ALENCAR (biadealencar@gmail.com)



cidade: Presidente Prudente

estado: SP



ENVELHECIMENTO SEM RETOQUES


 Apesar das mudanças ocorridas, para melhor, neste texto escrevo da velhice nua e crua, a real.



Envelhecimento sem retoques



Envelhecer é rir para os dentes em cima da pia rindo pra gente. Apalpar o corpo flácido vendo que está tudo em cima, os seios em cima da barriga e a barriga em cima da genitália. Cair em calçadas quebrando os ossos ou deslocando a coluna. Olhar para o espelho pegando as orelhas puxando-as pra trás, querendo que as rugas não voltem jamais. Sorrir para os outros sem retribuição e se não se desvia é só encontrão. Esperar um assento, o abrir de uma porta, um leve cumprimento, sem ter dois beijinhos que é só pra brotinhos, pois a repulsa é evidente. Comprar um novo produto que alise seu rosto e freqüentar academia esperando boas formas. Ouvir um berro saindo de um carro dizendo que "veio" no volante é perigo constante. Contar moedinhas na fila do caixa enquanto o resto da turma se olha, se desespera e alguém o esculacha. No caixa eletrônico então nem se fala, esquecer a senha provoca uma cena com a fila parada. Surdo, gagá, tremelique, manquinho, encurvado, mal cheiroso, um seboso, mas nunca um gostoso. Sai pra lá, está por fora e ninguém lhe dá bola. É ter uma banquinha de venda de quinquilharias para ter o que fazer e ver o dia passar. Ter paciência e resignação na impaciência dos que o cercam. Ter a carteira de habilitação apreendida pelos familiares e na dependência de alguém sai do banco da frente, do teu carro, e vai para o banco de trás. No aniversário não ter espaço no bolo pra colocar as velinhas e não ter fôlego para apagá-las de uma só vez. Sorrir quando não entende uma fala, pois a surdez atrapalha e com ela o som alto se instala nos programas que quer ver. As coisas simples se complicam e com ela a implicância. Ter no criado-mudo uma farmácia, um relógio e um copo d'água. Ter sapatos com solado de borracha e andar na casa sem tapetes. O antigo coração repleto de paixões agora está safenado e requer todo cuidado. Mãos e pés ávidos do fazer, agora ficam no querer. Na mesa farta os olhos têm gula, mas a dieta forçada, só te regula. Da coluna empertigada sobrou uma encurvada que o aproxima do chão, que parece lhe chamar.

Da velha bruxa vizinha até a velha assanhadinha, da doente na cama ou da cadeira de rodas, balançando-se na varanda ou indo para os bailinhos, voando de Asa Delta ou com namoradinho, mudam-se as caras e os gostos, mas nada muda os agostos.

Neste palco da vida uma peça é encenada: Velhice Feliz ou Resignada. Não tem diretor só tem roteirista, você cria sua história ou então se consola. Qual um toureiro na arena vai-se toureando isto tudo, às vezes sentindo muito, às vezes achando graça.

E na pirâmide da vida chegamos a seu ápice ou brilhamos com ele ou nos queimamos no Sol e neste espetáculo envelhecer, eu quero mais é viver, abraçada à alegria em cada amanhecer.

Bia de Alencar

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